terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
The Lucky Country
Muitas pessoas chamam a Austrália de ‘The Lucky Country” devido ao clássico livro de mesmo nome escrito em 1964 pelo crítico social australiano Donald Horne (ou melhor, essa é a origem mas muita gente chama assim pois já ouviu isso de algum lugar, achou legal e começou a usar o mesmo termo). Até a Kylie Minogue já cantou uma música em homenagem “lucky, lucky, lucky”. Eu achava que o nome vinha da sorte do país por ter um clima tão bom, economia, recursos naturais etc. Milhares de pessoas, a maioria aliás, ainda acha que é por isso. Até que ontem fui a uma livraria e comprei o livro - há!, que surpresa, não era nada disso, pelo contrário: o termo “lucky country”, veja só, foi uma ironia do autor que foi mal-interpretada nos últimos 45 anos (realmente, toda unanimidade é burra).
Naquela época a cultura de colônia ainda era muito forte e a inovação, tecnologia e pesquisa não era o foco das pessoas e do governo, e sim, eram os recursos naturais. A Austrália sempre foi um país conhecido por suas minas, muito ouro e etc (lembra desse post?), fazendas e criação de animais, o que pode ter atrasado o desenvolvimento naqueles outros quesitos (ou seja, o lado lucky na verdade atrapalhou). No livro Horne fala que os países que se beneficiaram das imensas mudanças tecnológicas, econômicas, sociais e políticas daquela época (o vulcânico anos 60 lembre-se) eram os países espertos. A Austrália não era um país esperto. A Austrália só era um país sortudo. Sacou a ironia? (momento parênteses: “aí Pedro, lembra que você sempre me falou que eu tava indo morar no quintal do mundo?”).
O título vem dessa que é a primeira frase do livro: Australia is a lucky country, run by second-rate people who share its luck. (ou seja, por pessoas não muito espertas que tiveram a sorte de nascer aqui)
Aqui está a explicação nas palavras do autor:
"I had in mind in particular the lack of innovation in Australian manufacturing and some other forms of Australian business, banking for example. In these, as a colonial carry over, Australia showed less enterprise than almost any other prosperous industrial society."
"The answer lies in the essential part of ‘my lucky country’ thesis – that our tradition is of a colonial-minded and derivative business culture, especially in manufacturing and banking, and that this had left us with little understanding that ideas are of the factors of production. In our colonial days innovations in farming and mining were recognised as essential: farming and mining were our jobs as a colony."
Seguem outros trechos:
"A person who doesn’t like ordinary people to think they are as good as he is, or to enjoy some of the things he enjoyed himself, will not like Australia."
Cantei um pouco dessa pedra nesse post. Essa é uma sociedade tão igualitária, mas tão, que os mais ricos se vestem como os mais pobres para não aparentarem que tem dinheiro. Sim, é verdade! Inveja é um pecado capital e que as pessoas morrem de medo (do olho gordo). No Brasil é o extremo contrário, por isso a imensa disparidade.
"Not only very rich or very poor people rare; the average income is not just a simple average, it is also close to the typical income."
"Ordinary Australia is not a society of striving and emulation. Ordinary people are not concerned with the ways or the rich or the highly educated. What they want they usually can get – a house, a car, oysters, suntann, can of aspargus, lobsters, seaside holidays, golf, tennis, surfing, fishing, gardening."
"To some they seem lazy. They are not really lazy but they don’t always take their jobs seriously. They work hard at their leisure."
É por isso que eu amo esse país.
"Australians are too easy-going to become fanatics and they do not crave great men."
"Australia is not a country of great political dialogue or intense searching after problems (or recognition of problems that exist). For many Australia, playing or watching sport gives life one of its principal meanings."
Apesar do livro ter sido escrito há quase 50 anos atrás ele ainda é muito atual. Afinal, pra saber sobre o presente, temos que conhecer o passado. Em 2004, na comemoração dos 40 anos de sua publicação o jornal The Age (de Melbourne e um dos mais queridos pelos “intelectuais” e artistas australianos) publicou o artigo Still lucky, but getting smarter escrito pelo próprio autor. Aí está um trecho que complementa o que escrevi na introdução:
"But the 1960s was itself a phenomenal decade. I don't mean the international 1960s. Of course they were phenomenal (with a few Australians among the world players). But there was a peculiarly Australian '60s. It was the decade of a public opening out of new ways of seeing Australia, all of them still with us, that offered the greatest renovation of perceptions Australians had known. One can't understand contemporary Australia without going back to the Australian '60s and comparing then with now."
E isso porque estou só no começo do livro! Depois conto mais aqui. Até lá.
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8 comentários:
bom, nos anos sessenta o avanço tecnológico e o progressso eram inquestionáveis e eram o sonho de quase todos.
talvez a sorte mencionada pelo autor seja uma ironia pelo país não ter alcançado o tal progresso, ou talvez o oposto, um ponto de vista de vanguarda para a época, já desprezando toda a fumaça e a falsa riqueza das indústrias e considerando-se sortudo justamente por isso.
sei que muitos países hoje dariam grande parte de suas riquezas para voltar cinquenta anos no tempo e reduzir o ritmo de seu progresso.
sei que já nos anos 80, talvez 70, o rock australiano já dizia "esse é meu país, essa é minha praia, esse é meu paraíso, não me venha com suas fábricas"
fico com a impressão que a austrália é um país de muita sorte em grande parte justamente por não ter entrado naquela onda de progresso.
Oi Zé, interessante seu ponto de vista... mas não sei se posso concordar (que bom né, o mundo seria tão chato se todo mundo tivesse a mesma opinião!).
Bem, depois de matutar cá com meus botões devo dizer que acho que o Horne não teve essa posição de vanguarda, ele estava mesmo criticando a postura da Austrália. E acho que ele não se referia somente às indústrias e sim, a um pensamento tecnológico e inovador que o país não tinha (está melhorando, mas ainda é fraco se comparadado aos outros países desenvolvidos). Vejo que inovação muitas vezes não está atrelada à fumaça, já a exploração de recursos naturais está e é ainda pior (que é o que a Austrália fazia e ainda faz, com suas milhares de minas). Concordo que essas fabricazinhas de produtos manufaturados made in China não são grande coisa e a Austrália nem faz questão de ter isso já que exige muita mão de obra barata, o que é impossível para um país com apenas 22 mlhões de habitantes que paga bem qualquer profissão.
Quanto aos países que dariam parte de suas riquezas para voltar 50 anos atrás... será? Hoje, 2010, vivemos em um mundo global e não sei se qualquer país pode se dar ao luxo de viver isolado em um mundo passado – afinal, estamos todos hiper-conectados. Uma crise no México afeta a Austrália, uma crise na Rússia afeta o Brasil e assim o mundo gira. Cuba tentou e veja como está – apesar da educação e esportes serem exemplos, a população vive quase que em um estado de miséria, a prostituição entre as cubanas é altíssima, fora a falta de liberdade de não poder ir e vir. Não à toa milhares de cubanos debandaram e vão morar no vizinho Estados Unidos.
Acho que uma das grandes vantagens da Austrália é ser um país tão isolado geograficamente, isso ajuda muito a conter a super população e esse progresso que acho que você se refere. Se você olhar bem a lista de países com mais qualidade de vida no mundo (top 5 Islandia, Noruega, Canada, Australia e Irlanda), são todos países isolados ou ilhas. Enfim, acho que tô começando a mudar de assunto... vou parando por aqui.
Abraço e obrigada por visitar o blog. Como vc o achou?
o que quero colocar, por exemplo, é o caso do brasil.
em cinquenta anos foi mais devastado do que nos outros 450, provavelmente.
isso justamente em função da busca por crescimento, progresso e tecnologia, que invariavelmente estão atrelados à devastação.
hoje todos sabem que o preço por aquela corrida desenfreada é alto demais e praticamente todos concordam que não vale a pena.
seja por ter ficado esquecida no mapa, seja por não ter desejado entrar no caminho do alto progresso, hoje podemos ver com clareza que isso foi realmente uma grande vantagem para a austrália.
só asssim pôde continuar indevassada.
tenho a leve certeza que mesmo aqueles que há quarenta anos queriam que a austrália crescesse, hoje sabem como foi bom que isso não tenha acontecido.
O maior desafio do Brasil e de todos os países em desenvolvimento é crescer com sabedoria. É difícil numa estrutura política de tamanha corrupção em que governo e oposição não tem razão. Torci muito para o Rio conquistar o direito de sediar as Olimpíadas, mas me pergunto, como podemos se nem uma transporte digno temos. Metrô, ônibus e trens são uma vergonha. A Austrália se beneficiou não só por ser uma ilha, mas porque faz parte da comunidade britânica. Não estou bem a par disso, creio que a Verinha sabe melhor que eu que tanto Canadá como a Austrália se beneficiam dessa parceria com o Reino Unido e vice-e-versa. Apesar dos desmandos como o desrespeito aos aborígenes, por exemplo, a coisa parece que está querendo melhorar na Austrália no sentido de que o país não é só uma nação bem resolvida, bela e com um povo bem peculiar, percebo um movimento para mostrar que a cultura australiana é capaz. O Kevin Rudd não sei se está indo bem, mas parece sensato. É interessante como um país que está tão bem, quer melhorar ainda mais. E a Austrália foi o país que menos sofreu com a crise mundial.
sim, e continuo achando...
mas aí, como em todas grandes naç~oes, se investe em educaçao e, com ela, o resto é consequência.
É Zé, além do que aqui existem diversas regulamentações e proteção contra a poluição. Se acontece algum, por exemplo, desastre ecológico (o que é raro) pode ter certeza que a empresa vai pagar caríssimo por isso.
Ana, sobre ser parte da comunidade britânica ter beneficiado a Austrália eu ainda não sei, de repente o livro vai falar sobre isso (ainda não consegui ler mais essa semana)... pq a Índia e a África do Sul também fazem parte do Commonwealth e eles tem vários problemas...
O Pedro tocou em um bom ponto: educação. E com ele vem respeito ao próximo, respeito às leis, fiscalização. Fiscalização, aliás, eu diria que é a palavra-chave pq se, mesmo com leis (que é o caso do Brasil), ninguém as cumpre, de que adianta?
É verdade Verinha apesar de no início ter sido uma prisão, a Austrália se superou. India e Africa do Sul são ex-colônias que sofrem muito.
Os aussie fazem valer as leis.
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