segunda-feira, 8 de março de 2010

Entrevista: impressões de Gisele, carioca que vive em Melbourne

Gisele Rocha é carioca, tem 26 anos e mora há três em Melbourne com o maridão australiano Luke. Quando morava no Rio ela era professora, mas sua atual ocupação é de chefe administrativa na Universidade de Melbourne. Ela é moderadora de uma das melhores fontes de informação sobre a Austrália na internet: a comunidade Aussileiros do Orkut, que participo desde 2006 quando comecei a procurar informações para vir morar aqui. Sempre lia os comentários dela e ficava bem impressionada com o seu bom-senso e paciência. Trocamos o primeiro email no início de 2008, quando pedi algumas informações (que ela pacientemente respondeu) e, desde então, sempre trocamos emails e finalmente nos conhecemos ao vivo há três meses atrás quando ela veio visitar Brisbane.

A convidei para a entrevista pois tinha certeza que ela poderia dar uma boa noção sobre a Austrália para quem não conhece (e para quem conhece também) – e eu estava certa, como você poderá conferir abaixo.

Como e por que começou a sua “relacão” com a Austrália?

Minha relação com a Austrália começou em 2000, quando uma amiga e eu recebemos na porta da faculdade um folheto da STB com programas de intercâmbio em varios países. Lembro dela falando, "Seria ótimo estudarmos um tempo lá, não acha? Praia e faculdade todos os dias, imagina!" Só lembro de ter respondido que não, Austrália não; não precisava ir tão longe e pagar tão caro para ver praias bonitas. Temos que lembrar que há dez anos atrás quase não havia propaganda sobre a Austrália no Brasil, por isso a minha observação esteriotipada do país: terra do surf, das pessoas bonitas e das praias que são palco do WCT. Depois de alguns anos o destino pregou uma peça em mim... Viajando na Argentina, conheci um menino australiano.Ficamos amigos, nos reencontramos no próximo ano e o resto, bem, o resto é história.

O que te fez mudar do Brasil para a Austrália?

A minha mudança à Austrália se deu por razões familiares. Depois de várias idas e vindas minhas à Australia e do meu então namorado ao Brasil, resolvemos que seria melhor viver no meu país. Infelizmente, não deu certo - depois de alguns meses morando no Rio de Janeiro, de onde sou, decidimos voltar à Austrália.

Quando você chegou na Austrália, você achou o país muito diferente do que você inicialmente imaginava?

Na primeira vez que vim de férias eu fui à Sydney, Melbourne, Gold Coast e Byron Bay. Lembro de não ter achado Sydney tão impressionante quanto pensei que fosse ser. Eu achei parecida com algumas cidades que tinha visitado nos Estados Unidos – tudo muito grande, espalhado, muito trânsito, pouco verde. Confesso que fiquei um pouco decepcionada. Claro, achei a parte das praias linda, mas acho que as praias daqui não causam tanto furor para uma pessoa que viveu no Rio de Janeiro a vida toda - estamos acostumados com este tipo de paisagem. Depois, fui à Melbourne, de onde meu marido e sua família são. Fiquei apaixonada –a estrutura urbanística da cidade é fantástica, com várias áreas comunais, menos prédios altos, mais áreas verdes e um ar meio alternativo-chic. Não podemos comparar as praias de Melbourne com as de outras cidades na Austrália porque Melbourne está numa baía. Para ver as praias lindas de Victoria, você tem que dirigir até a Great Ocean Road (onde fica Bells Beach, por exemplo) ou então até Sorrento ou Portsea, pelo menos.

Quando vim morar, a perspectiva sobre o país mudou completamente – ainda amava Melbourne, mas a visão da cidade não era mais a de turista. Cheguei no inverno, e inverno aqui é bem frio! Para as pessoas terem uma idéia, tem estação de esqui a duas horas do centro de Melbourne. A máxima no dia é em torno dos 13 graus, mas com o vento a sensação térmica cai bastante. Enfim, foi um choque muito grande em todos os aspectos: climático, cultural, pessoal. No início tive muita relutância em aceitar que as coisas são diferentes do Brasil, questionava o porquê de tudo, me sentia frustrada. Ter que reaprender tudo, desde pegar ônibus até entender a dinâmica de relacionamentos sociais é cansativo. Mas depois de um tempo, fui me acostumando, aceitando e apreciando as diferenças e hoje me sinto totalmente integrada à sociedade.

O que você mais gosta na Austrália?

Tem várias coisas, mas vou listar as minhas favoritas:
- O respeito ao indivíduo. O australiano tem como princípio básico o “fair go”, que é definido como a chance que todos devem ter de tentar algo, e ser dado os recursos para tal. Aqui os cidadãos têm acesso à educação, cultura, lazer, saúde. Claro que temos vários problemas estruturais, mas há uma preocupação para que todos possam ter os direitos básicos atendidos de maneira decente. É uma preocupacão não só do governo, mas também dos indivíduos. A sociedade no geral preza pelo bem-estar comum e os australianos não gostam de tirar vantagem de tudo, muito menos de todos.
- A baixa diferença salarial. Com o passar dos anos tem aumentado, mas ainda é baixa se compararmos ao Brasil. Isso gera menos conflito social, menos violência, uma sociedade mais harmoniosa.
- O respeito ao meio-ambiente. Antes de uma construção ser aprovada, você tem todo um estudo do impacto ambiental que vai causar, inclusive da poluição visual. A populacão é educada para viver em harmonia com a natureza, até porque somos parte dela. Por exemplo, meu trabalho fica perto de uma área de preservação ambiental e ás vezes da minha janela vejo árvores silvestres, raposas, entre outros animais. E olha que estou só a dez minuto do centro de Melbourne!

E o que você menos gosta?

Vamos lá:
- Sistema de transporte. É bom se você mora perto da estação de trem ou parada de bonde, caso contrário você precisa de carro para tudo. Não gosto de ter que depender de carro, mas às vezes tenho que ir à lugares que não têm acesso à transporte e sou obrigada a dirigir.
- O preço dos imóveis. Acho proibitivo. Parece que os australianos vivem em função de pagar hipoteca. Os salários são maiores, mas ainda sim uma pessoa sozinha num salário mediano não consegue pagar a prestação de um imóvel de dois quartos, por exemplo.
- Distância para outros países. Do Rio você está na Argentina, Peru, Chile, Uruguai a algumas horas de voô. Aqui, tirando Nova Zelândia, pelo menos seis horas para algum outro lugar!

O que você mais sente falta do Brasil?

Além da família, comida e amigos, sinto falta da paixão das pessoas. Sim, nós latinos somos muito “inflamados” e mostramos isso nas nossas interações sociais. Uma discussão entre amigos parece uma briga para australianos – eles não entendem que defendemos nossos pontos-de-vista com unhas e dentes e que não há problema algum com isso. Aqui as pessoas ficam mais em cima do muro, o conflito não é algo muito apreciado pelos australianos. Às vezes eles nos acham “opinionated”, ou seja, expomos até demais nossa opinião quando não deveríamos. Também sinto falta da musicalidade – respiramos música, faz parte de nós. Você vai à festa de aniversário de criança e muitas vezes não tem nada tocando.

O que o Brasil pode aprender com a Australia e vice-versa?

O Brasil poderia aprender com a Austrália a ter relações sociais e trabalhistas mais igualitárias. Muitas vezes eu acho engraçado brasileiros que vêm para cá e não se importam em trabalhar de faxineiros, babás, motorista (ou com os próprios eufemismos usados por eles: cleaner, baby-sitter e driver, pois soa menos braçal) já que a remuneração é decente e são tratados de igual para igual. Mas no Brasil, essas mesmas pessoas jamais pensariam em pagar R$25/hora às suas faxineiras, por exemplo. E não conseguem perceber que toda essa exploração que temos no nosso país gera instabilidade social, e acaba desencadeando violência.

Já a Austrália poderia aprender a ser mais flexível – às vezes as regras são seguidas à risca, e tudo o que é demais pode ser ruim. E também apreciar mais a companhia dos amigos e família; ao meu ver o foco é tão grande em trabalho, acúmulo de bens, que o lado social fica um pouco de lado. Por último, os australianos poderiam se abrir mais com os amigos e família – vejo que muita gente fica com medo de se abrir emocionalmente e ser visto como “fraco”.

Você pensa em voltar a morar no Brasil? Se sim, quando?

É uma pergunta difícil. Muitas vezes eu sinto vontade, principalmente quando vejo fotos de amigos brasileiros que retornaram e estão bem, felizes. Porém, entendo que estar longe ajuda a criar uma realidade que não existe, onde tudo é perfeito; recentemente visitei minha família e senti que a minha cidade (Rio) não condizia mais com os meus planos de vida, que ela não poderia proporcionar o que desejo: paz, segurança, estabilidade profissional. Hoje corre tudo como o planejado, então não tenho planos de retornar ao Rio num futuro imediato. Logo eu, que há dez anos atrás se recusou a fazer um intercâmbio na Austrália...

Gisele na Flinders Lane, rua no centro de Melbourne.

6 comentários:

Unknown disse...

Po, ninguem comentou ainda?rs

Eu comeco: tambem sinto falta das boas livrarias aqui. Ainda nao achei uma tao legal quanto a Livraria da Travessa. Nao sou fa de Borders ou cadeias do genero.

Verinha disse...

É, o pessoal tá meio tímido ultimamente :)

Até que eu gosto da Borders, pq vc não gosta de lá? Mas estou achando os livros meio caros...

PS.: Eu fui nessa Flinders St da foto, achei bem parecido com Londres.

Cinema com Ana Rodrigues disse...

Bela entrevista. O curioso é como a visão dos brasileiros em relação à Australia é bem parecida. Tenho observado que apesar dos sentimentos de saudade e das diferenças, os brasileiros se adaptam bem por aí. E como tem turista australiano aqui no Rio. No Carnaval foi demais. Eu acho que o choque cultural é natural, já que a Australia é um país bem peculiar, assim como o nosso Brasil. A livraria da Travessa é uma delícia mesmo. Sentar naquelas poltronas e ficar folheando os livros que você não resiste e leva prá casa.

Unknown disse...

Pois então Ana, ainda não achei uma livraria parecida aqui. O que eu gosto na Travessa é que eu entro pensando em um livro e saio com vontade de comprar vários outros! Tem muita coisa da área de humanas, dá pra ficar lá horas e horas... Aqui na Borders, apesar de termos muitos livros a maioria é mais comercial, é tipo a Saraiva Mega Store da Ouvidor. E sim, Vera, como livro é caro aqui, pro mestrado eu compro tudo na Amazon, porque mesmo com postagem sai bem mais barato!

Unknown disse...

oi vera, "conheço" vc da comunidade aussileiros. bacana a entrevista com a gisele, tb nao a conheço, mas gosto muito de ler os posts dela la no orkut. com certeza uma menina inteligente e determinada.

Verinha disse...

Oi Renata,

Desculpa pela demora na resposta, soh vi seu comentario agora. Eh, concordo com vc, essa entrevista foi muito pequena pro potencial dessa menina (que vai longe e ainda por cima eh a cara da Jessica Alba).

Bom te ver por aqui e continue aparecendo.