Às vezes sinto a maior saudade. Do nada ela bate. E bate, viu. Parece um daqueles ventos quentes de verão que abrem-alas pra uma apocalíptica tempestade. Essa é aquela danada de saudade que chega e já se espalha - ela dói, é pesada, e me faz pensar se é isso mesmo que eu quero, se essa é a escolha da minha vida. Ficar longe, muito longe, longe da minha cultura, da minha língua, do meu sorriso. O meio-de-campo de emoções se embola e dá aquela vontade louca de falar "que se foda" e pegar o primeiro avião. Encontrar a minha terra, o meu céu... Começo a viajar sozinha e a imaginar, aos poucos, a ansiedade da espera para se chegar ao meu, meu tão sonhado Rio, a vista das montanhas lá de cima da janelinha do avião, suas praias, seu mar. A recepção no aeroporto, o caminho pra casa, os encontros.
Ah, se eu fosse maluca...
É, mas calma que eu não sou não, a vontade aparece mas eu sempre acabo despertando desse estado entorpecido (que dura exatos 7 segundos - eu já contei). O que eu tenho é que aprender a domesticar a minha mente que ainda não sabe se comportar e às vezes transvia para esses pensamentos gostosos e insanos.
Olho em volta e vejo que isso - que de uma forma, continua sendo um sonho; é real. Penso no que tem aqui, no presente, onde estou. E no aproveitar, curtir, me entregar. Aqui mesmo, em volta, no mundo palpável, físico. O que tem de bom, por que vim, por que decidi isso, e assim começo a pensar naquele meu Rio de outra forma e lembro dos truques da nossa imaginação, que fazem a gente idealizar uma história, um lugar.
Às vezes construo o seguinte diálogo criando os personagens na minha cabeça representando o Brasil e a Austrália:
- Hummm, esse seu Rio aí, que que tem nele? Tem coisa boa?
- Tem sim senhor.
- Tem coisa ruim?
- Também tem sim senhor, diria que até bastante.
- Tem coisa muito boa?
- Putz, tem coisa muuuito boa!!! Muitas coisas muito boas, aliás.
Já com o outro personagem é assim:
- E aqui, nesse país longe, diferente? Tem coisa boa?
- Tem sim senhor.
- Tem coisa ruim?
- Hummm. Tee-... hummm, olha senhor, coisa ruim, assim ruim ruim, nao sei... não não, tem coisa ruim sim, mas não é ruuuim não sabe? É ruim mas não é ruim. Tendeu?
- Hum, mais ou menos. Não é tão ruim assim, você quer dizer?
- É. Acho que é por aí.
- Tá, ok, ok, confuso isso hein. Vamos mudar pra coisa boa. Tem coisa muito boa?
- Tem coisa boa sim senhor.
- Não falei boa, falei muito boa. Tem coisa muito boa?
- Hum, tem.
- Só isso?
- É, ué, já falei que tem.
- E a empolgação, cadê? Voce tá falando de coisa muito boa lembra? É isso?
- Hum, é. Tem. Tem sim.
Às vezes é assim que me sinto. Um amigo uma vez me falou uma frase que eu não vou esquecer nunca: "Verinha, enquanto a Austrália é novela das 6, o Brasil é novela das 8". Pros 3% de brasileiros que não veem novela, eu explico: as novelas das 6 são aquelas com cenários lindos, tudo limpo, perfeito. Todo mundo arrumado, bonito, com pele lisa sabe? Geralmente é novela de época. As ações são poucas, geralmente uma história romântica, fofocas inocentes dentro de casa, sorrisos, gente simpática e claro, um galã estilo Disney e o casal que se casa no final e assim são felizes para sempre.
A novela das 8 não. A novela das 8 tem ação, tem o mocinho cheio de falhas geralmente mulherengo e safado e que tá pegando a secretária, mulheres loucas urbanas e obsessivas que destratam seus funcionários que trabalham naquela mega-corporação da família, viagens para a Europa no início da novela, alguém que é assassinado no final, o mendigo-gente-boa que toca um sambinha na rua, a história da empregada pobre, a história da patroa rica - sempre, com muita, mas muita ação essa novela das 8.
Engraçado que pra mim essa comparação se encaixou perfeitamente. Assim como o Tom Jobim que falou aquela famosa frase: “Morar no Brasil é uma merda mas é bom, morar nos EUA é bom mas é uma merda.”
Outra seria aquela do motorista de bugue nas dunas de Natal: "E aí dona, quer com emoção ou sem emoção?". O Brasil é com emoção. Ah, devo falar que eh com tanta emoção que parece até que você vai cair do bugue no meio caminho - em compensação, você se diverte que é uma beleza.
Por que eu tô falando isso?
Devo confessar que a minha primeira idéia era sentar na cadeira para escrever um post sobre o que é ser "imigrante" mas não tem jeito, antes de entrar na tática eu tinha que colocar o dedo na principal ferida – por que meu amigo, se você não está preparado emocionalmente pra isso, é melhor pensar com mais calma afinal esse é o primeiro ponto: saudade, indecisão, pensar lá e aqui. Querer voltar, querer ficar.
Claro que isso não acontece o tempo todo, a gente acaba se integrando à rotina australiana e tem dias (às vezes, semanas) que nem se pensa no Brasil, família e amigos. Mas por mais que você esteja integrado, você vai sempre pensar no seu país – pensar só não, mas idealizá-lo usandos lentes cor-de-rosa e lembrando, na maioria, das coisas boas. Por isso é bom parar para lembrar das coisas ruins também, se não você pira. E tem coisa ruim sim, como falei antes, tem muita. Infelizmente.
Bem, aqui eu estou falando de mim: conheço gente que pensa ao contrário, quando lembra do Brasil, lembra de assaltos, pobreza, insegurança. Só lembra das coisas ruins. De repente era melhor pensar assim, mais fácil. Mas não consigo. Essa não seria eu, não seria a Verinha que, apesar de tudo, ainda ama o Brasil. Quanto a essa indecisão a que me refiro, conheço de tudo: brasileiros que nem pensam em voltar, brasileiros que nem pensam em ficar... Mas a maioria quer ficar na Austrália por um tempo e depois voltar para o Brasil: seja em dois anos, cinco, dez ou quando se aposentar. Se isso vai acontecer mesmo, ai eu jah nao sei. Mas não tem jeito, você não esquece nunca.
Quando você mora fora tudo é novo. Você não tem uma história naquelas ruas, o verde das plantas tem um tom diferente, mais que um idioma, o jeito de se expressar é diferente, de comer, de celebrar, de negociar, de comprar. Quando nós brasileiros lembramos das aulas de História da quinta série, pensamos no Pedro Álvares de Cabral e no Tratado de Tordesilhas. Eles não. Os símbolos, os sinais mudam diferentes. O jeito de fazer amigos, o modo de conseguir trabalho... fora a distância da familia e dos amigos de longa data que nunca, nunca serão substituídos.
Mesmo com tudo isso, fico admirada como as qualidades fundamentais de nós, humanos, seres complexos e mutáveis. Por que, apesar disso tudo no final "a gente se vira". Se vira sim, aprende, quebra a cara, se dá bem, enfim, aprendemos com os nossos erros e acertos. A gente insiste por que, mais do que emoções limitadas à nossa cabeça, o que todo mundo quer é viver bem.
Vejo, no caso de vários brasileiros, que mesmo com tudo isso a vida aqui na Austrália ainda é melhor. No final das contas, o que compõe, digamos, 70% da nossa vida é aquela rotininha lá do dia-a-dia: trabalho, casa, esperar o final de semana, final de semana, casa, trabalho etc. E por mais que você tenha um certo “conforto” (metaforicamente falando) no país de origem, às vezes você não tem qualidade de vida ou perspectiva de ter uma vida melhor (agora conforto esse economicamente falando).
E essa é uma das grandes atrações da Austrália. Apesar de parecer ter falado que aqui não tem coisa muito boa, devo voltar atrás e falar que tem, sim, principalmente as possibilidades que se abrem em vários quesitos. Poder viajar mais, absorver uma nova cultura, começar a ver o mundo – e principalmente, o Brasil – com outros olhos. Aprender, se aventurar, odiar, sofrer, amar. Sair da zona de conforto.
Eu sei que tem gente que não troca a vidinha de sempre no Brasil por nada – isso aí, cada um tem a sua escolha. As pessoas são diferentes, precisam de experiências diferentes. Pra mim a Austrália foi e continua sendo uma experiência única, inesquecível. Certamente saí da minha zona de conforto ao tentar a vida em outro país. Já me perguntei diversas vezes se fiz a coisa certa. Fiz sim, só eu sei que se eu não tivesse vindo morar fora seria uma eterna frustrada.
Sair da zona de conforto.
E entrar nela também.
O triste do nosso país é que ele não te dá muito liberdade: liberdade não é poder beber cerveja na praia, pra mim liberdade muito maior é poder se arriscar na vida e saber que você não vai estar na merda quando voltar. Que vai ter um emprego, que vai ter dinheiro, que não, nunca você vai ficar na sarjeta. Aqui não rola isso por que qualquer emprego que você tenha você ganha dinheiro. Grana boa, pra viver uma vida acima do razoável.
Alguns brasileiros que conheço são loucos pra voltar a morar no Brasil mas não voltam. A primeira pergunta que passa pela cabeça deles é: “voltar pra fazer o que?”. Ficam com medo de passar perrengue no Brasil, apavorados pela incerteza, pela dificuldade em encontrar um emprego que pague bem, que faça eles terem uma vida decente, fora a inseguranca que pesa muito. E assim o verde brasileiro se torna menos verde, as praias, menos bonitas, o povo mais triste. E aquele sonho que eu tive lá no começo muda.
De uma certa forma, eu não posso reclamar muito pois nunca tive dificuldade de encontrar emprego no Brasil. Mas não tenho pressa de voltar. Sinto falta, sinto saudade, mas ainda tenho um bom tempo aqui na Austrália. Não quero só viver, quero navegar, explorar, ver mais, conhecer mais. Tenho certeza que o meu Rio estará sempre lá, de braços abertos e sorrindo pra mim.
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8 comentários:
querida prima!
vc esta se tornado uma escritora talentosa parabéns
bju
Sempre, filhinha, o Rio vai estar de braços abertos para você - aliás vocês - na verdade você e o Aaron! Maravilhoso esse seu texto, é o coração exposto...Mas o problema é o que você colocou: se acomodar e ficar na zona de conforto ou se arriscar e lutar para ser ainda mais feliz (e o que é importante, absorver mais cultura e aceitação pelas diferenças). O que eu quero é que você tenha muitos momentos felizes! No Brasil ou na Austrália. Beijos
Tenho lido seu blog Verinha e fico admirada pelo fato de você ser uma excessão à regra. A maioria das pessoas que mora fora do Brasil adora exaltar o quanto é maravilhoso o país estrangeiro em que reside. Você, apesar de demonstrar, que gosta de viver na Austrália, não perde o senso crítico em relação às duas nações, não fica deslumbrada. Gostaria sim de morar num país estrangeiro, especialmente na Austrália. Eu poderia até passar o resto da vida fora do Brasil, mas nunca deixaria de estar aqui pelo menos anualmente, se tivesse condições econômicas e profissionais para isso. Como dizia Tom Jobim em Lígia: "um chopp gelado em Copacabana, andar pela praia até o Leblon..." Sem contar que por aqui tem Angra e Parati. Viva a Austrália e viva o Brasil.
Verinha,
hey!
Brilhante esse texto. Simples assim...
Um beijo Arthur
Verinha que texto otimo...eh exatamente isso que acontece comigo...impressionante!!!Eis a questao....ficar ou nao ficar?!?! Qdo sabarei?!?! rsrs
bjs
Amiga, se seu sorriso estivesse aqui... como escreve...rs...hoje eu iria chamar ele, para dar uma volta comigo. A gente ia rir bastante, desse mistério da vida, que não nos dá certeza de nada. Cada escolha, quanta responsabilidade.... toda escolha sem garantia de nada.
Seu texto me fez lembrar de um poema da Cecília Meireiles:
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
.
.
Por isso amiga, eu te digo, não perca nunca essa sua coragem de arriscar... porque quando não fazemos isso, corremos outro risco... o de perder um pouco de nós mesmos.
Luv ya!
Fê
Oi Vera,
Que legal seu blog. Você escreve super bem, além de ter abordado o assunto de forma espetacular.
Abraço,
Luciano Brambila
estou conhecendo o seu blog agora e sinceramente vc pode ter certeza que o seu blog de tantos que já li, passa a melhor imagem de como é viver na australia.
oq vc passa por essas linhas, que por sinal muito bem escritas, é uma realidade que parace que já estou por ai, continue escrevendo com esse grau de datalhes que pelo menos pra mim ta sendo de uma ajuda que vc não faz ideia.
um prazer em te conhecer memos que pela net.
abraços
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